terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Suspiros Ausentes...


Será que queres ouvir o que um sorriso rasgado esconde, o que um lábio molhado anseia e por quem tanto se devaneia?
Será que queres ouvir o meu corpo como um louco a vibrar por alguém a declamar?
Será que sabes o que esconde um desejo enforcado com medo de ser roubado?
O meu corpo sente o que a alma escoa, uma sensação ardente a que ninguém magoa…
Um suspiro largado, uma lágrima caída, um beijo ousado de uma alma perdida…

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Cativo das Trevas...





















  










 
   O meu físico desbotado desmorona-se a cada dia que falece interminavelmente. Sempre que me encaminho na tua direcção, ele arruína um pouco mais da sua vital essência. Sinto dolorosamente carência da tua presença, quero destinar ao teu lado.
  Um quarto crescente ilumina o gasto tecto negro. Procuro-te desvairadamente de novo, mas não te consigo ver nas sombras. Não vejo os teus olhos negros por entre os brocados da noite escura. Escondeste nas trevas, onde a luz cintilante do sol não invade o teu dia. Onde o brilho do luar não reluz nos teus olhos. Não me importo, pois sei que observas o meu rosto perdido, pacientemente na penumbra. Sei que esperas ansiosa e desalmadamente pelo nosso encontro. Experiencio os teus olhos cravejarem-me a pele como as gotas que escorrem do corpo quando me corto - quando me marco nas noites mal dormidas. Nas noites onde os pesadelos antigos me invadem o cerne e me atormentam a mente. Eles devoram-me sem misericórdia ao cessar de cada segundo.
   Em dias de desespero pressinto o teu odor, ele invade-me desvairadamente as narinas – um aroma selvagem, um perfume animalesco que me desperta do meu infindável transe. Procurei obter respostas para a minha demência, tentei alcançar-te mas faltava-me a audácia de procurar livremente em lugares, por poucos, alguma vez decalcados. Os olhos ficaram-me embaciados. Para onde quer que olhe, sinto-me cercado pela tua perturbação e agonia, pela tua aflição de me ter ao teu lado. Fujo dos meus pensamentos e procuro-te de novo, mas não consigo enxergar o teu corpo, imagino-o. Corro veloz, passada atrás de passada no chão envelhecido desta terra. Paro e não sei onde me encontro. Não há sinal de luzes ali, não existem vestígios de vida. Apenas uma imensa escuridão num canto da noite.
   Decidi invadir o escuro, estranhar-me nele como se fosse meu, por ti, por mim, já que em lugar algum te defronto. Senti a brisa que se levantou suave e em seguida forte e vigorosa. Apanhou-me rapidamente, gelou-me cada pedaço da mortalidade - senti-me desprotegido e abandonado. De novo procurei o teu toque no vazio, no nada da imagem que não via. Ouvi os teus sussurros chamarem pelo meu nome. Apoderaram-se perigosamente do meu espírito. Estamos frente a frente mas não nos vemos. Procuro-te mais uma vez e tento não me abater agora. Se acontecer ninguém me veria cair, não ouviriam um único som. O céu negro encobriria a minha partida.
   Senti a proximidade. Estremeci e cada parte do meu corpo se arrepiou quando sentiram o teu toque, a tua dureza. Arranhaste-me fugazmente as costas, beijaste-me com prazer o pescoço. Levaste a tua mão gélida de encontro ao meu peito quente, que batia de plena excitação e completo deleite com o que estava a acontecer. Senti-te como nunca havia sentido coisa alguma. Reagi ao teu eu, à tua dor, à tua indiferença. Invadiste-me as veias, a carne, a alma – roubaste-a para ti, sem pedir, sem dar nada em troca. Levaste-me cativo e encaminhaste-me para as sombras, fizeste-me delas, seu perpétuo prisioneiro.

Nas Asas de Um Anjo...


   Estava frio lá fora. A neve caia leve e suave no jardim que outrora radiou com as flores cintilantes da Primavera. Outrora as folhas de Outono que caíram, emolduraram o chão fresco e deprimido, e abrandaram o ritmo da pequena cidade de Flying Valley. A lareira consolava cada divisão da casa estilo villa italiana, enquanto ele colocava pequenos troncos de madeira com os seus braços fortes e firmes, reacendendo a chama. O calor espalhava o doce cheiro a pinho do soalho, acabado de encerar, pelos recantos da casa, misturando-se com o delicioso aroma do frango com natas que gratinava no pequeno forno. Sentiu-se o vento forte bater nas portadas verde-musgo que fizeram estremecer as janelas altas de vidro. Ouvia-se o uivo que entrava pelo estreito buraco da chaminé que me arrepiou o corpo e me levou o olhar para o seu rosto. A sua feição demonstrava despreocupação como era hábito.
   Dei por mim a perguntar porque nunca via sinal de inquietação na sua cara. Sempre que algo de mal acontecia ele resolvia o assunto astuciosamente e nunca se zangava com nada. Despertei dos meus pensamentos quando o vi empoleirado no balcão de mármore rosalia com duas taças de cristal austríaco na sua frente. Retirou-se em direcção à adega apinhada de vinhos e extraiu um Porto Ruby. Serviu-o com pedaços de queijo de cabra curado como aperitivo, para descontrairmos do temporal que se aproximava veloz e melancólico, enquanto o jantar aquecia calmo e animado.
   Fitei os seus olhos claros como a água - eram abrangidos de um azul-turquesa lembrando pequenas pedras preciosas combinando com o loiro-escuro do seu cabelo e a sua pele morena. Perdi alguns minutos observando-o mas não me contribuiu o olhar. Ele estava longe da imagem daquela cozinha rústica, aventurava-se por outros mundos a mim desconhecidos. Que raio, não parava de me questionar por onde andava a sua mente, o que escondiam os seus pensamentos…
   Acabou de beber o vinho e direccionou-se à sala de jantar sem uma única palavra. Moveu o arranjo de tulipas vermelhas que permanecia em cima da mesa de vidro e compôs a mesa com naperons em linho, pratos de cerâmica quadrados estilo chinês, talheres de prata e o restante do nosso melhor serviço. Que ocasião especial nos esperava. Não fazíamos anos de casados, nem era nenhum feriado exclusivo… Apenas libertou uma palavra de contentamento quando me aproximei com a travessa quente do frango entre as mãos. 
   Presenciei dirigir-se em corrida à cozinha para buscar a saladeira e a garrafa de vinho branco adamado, que esperavam no balcão. Serviu-me o jantar como um verdadeiro cavalheiro e iniciou uma conversa sobre fazer o que está certo dando exemplos do que aconteceria com isto e com aquilo, falando sobre o que achamos melhor para as pessoas e o que se devia fazer em relação ao assunto. Não percebi o que queria com aquela inesperada palestra, então rapidamente alterei o tema e comecei por lhe mostrar como poderíamos tornar aquela noite gélida num momento mais caloroso entre os dois. Comecei por deliciar a sua boca com um beijo, em seguida subi para as orelhas que petisquei suavemente e desci para o pescoço onde degustei da sua macieza. 
   Ele respondeu com algum desânimo, e disse-me que não era o melhor momento para a situação que ambicionava, mas logo mudou de ideias quando lhe coloquei a mão entre as pernas e a enfiei dentro das calças massajando-lhe o âmago. O calor instaurou-se no seu corpo, fazendo-o soltar um gemido. Agarrou-me a boca com os seus lábios e senti a sua língua percorrer-me o espírito – aquele homem sabia como levar uma mulher aos limites. Então pegou-me pela cintura e encostou-me ao seu corpo. Prendi as pernas em torno dele e abracei-lhe o pescoço, enquanto trincava e brincava com o meu.
   Batemos contra não sei quantos objectos, enquanto nos retirávamos para o andar de cima, até que caímos nas escadas de madeira e rimos de prazer. Ele por baixo agarrou-me pelas nádegas e atou-me ao seu corpo forte. Senti o inchaço do seu músculo contra a cintura humedecida pelo calor que me percorria o físico, ele estava pronto para tudo. Fitei os seus olhos e reparei no desejo que lhe trespassava no espírito – ele tencionava possuir-me ali mesmo. Arrancou-me a blusa branca com os dentes e colocou as mãos por baixo do soutien vermelho, que em seguida arrebatou com a intensidade do incómodo que lhe causava. Desapertei-lhe os botões das calças de ganga Levi’s azuis escuras e atirei as minhas sandálias negras tipo romanas para o lado. Rodopia-mos um em cima do outro como duas ondas no oceano, mas sentimos o percalço das escadas sombrias que nos importunavam o acto.
   Corremos feito adolescentes escadas acima e atiramo-nos de um salto para a cama de casal king size com lençóis de cetim negros. Ele retirou a pólo azul-celeste que lhe cobria o peito, que tapava aquele tronco esculpido que me fazia lembrar um deus grego, enquanto eu retirava a saia estilo retro em tafetá cinzento. Atirei-me ao seu corpo fugazmente. Senti-o quente e apelativo. O seu físico colava ao meu como lapas numa falésia fortemente fixadas nas rochas sem se soltarem com a pujança das ondas. Os meus seios duros e tesos tocavam no seu peito molhado pela tentação, que lhe arrepiou e elevou o sexo, fazendo com que na minha mente se passassem mil e uma maneiras de o agarrar e possuir. Projectava aventurar-me e destapar a sua corporação moldada pelo tempo, deixando-o entrar em mim sem medo do desafio. Queria devora-lo como se fosse uma simples maça encarnada, degustando do seu sabor, consumindo cada pedaço da pele sumarenta que o resguardava. Mas perdi-me nos seus olhos que encaravam os meus com mistério, poderia perder uma eternidade observando-os. 
   Fitava-os tentando resolver o enigma que criou, procurando os segredos que a camuflagem que lhe encobria a alma escondia… Num ápice, a sua boca puxou-me como um íman, criaram-se faíscas que pairavam no ar, incendiando o espaço em nosso redor. Salivava como um cão à espera do seu alimento. Queira morder-lhe, devorar-lhe a carne, saborear as linhas do seu corpo com os lábios que me ardiam de desejo.
    As suas mãos engenhosas percorram o meu espírito com habilidade. Pararam no centro do meu fogo e movimentaram-se num jogo de dedos lembrando uma aranha habilidosa tecendo a sua teia para obter mantimento. Em seguida avizinhou a língua que movimentou como um flautista num recital tocando eficaz e deliciosamente o seu instrumento. Ele sabia como abalroar-me e levar-me ao êxtase. Sabia que explodia se não tivesse a sua labareda para queimar o rastilho. Libertei a primeira onde de prazer que me estimulou todas as nervuras do corpo, mas o que ele tinha em mente não acabava por ali.
   Afastou a boca carnuda do meu íntimo e virou-me do avesso como quem vira carne flamejante no espeto. Agarrou-me pelas ancas e passou a tesão por entre os meus glúteos como uma criança brincando com um iô-iô para cima e para baixo. Parou na porta do meu ventre e entrou rapidamente num único impulso. Gemi de prazer enquanto ele me palmava agradavelmente as coxas, pedindo mais e mais de mim. Senti o peito suado encostar-se nas minhas costas delicadas e em seguida aquelas mãos viris a agarrarem-me os peitos, evocando um viking agarrando um pedaço de carne para sustento da sua masculinidade. A velocidade ia aumentando, parecia que tinha apanhado um comboio super veloz e sem paragens. As ancas estremeciam-me com o bater da pélvis enfurecida pelo delírio do acto. Os músculos da vulva contraiam-se e descontraiam-se num ritmo infernal e deslumbrante.
   Virou-me de frente e encaixou-me no seu corpo como peças de um puzzle. Levantou-se e dirigiu-se para a parede alaranjada do quarto, sem demoras. Senti as costas colidirem contra o cimento frio. Então agarrei-lhe os cabelos com os arrepios que se criavam devido à fusão de temperaturas. Ele elevou-me à lua com o seu foguetão, que me ergueu o corpo num combate espacial. Não aguentava mais e aliviei de novo o deleite. Ele não parou, e o facto de eu ter gozado novamente só o fez sentir-se poderoso e querer mais.
   Os seus olhos miraram os meus peitos retesados e agarraram-se a eles como um bebé faminto – ele trincava, e lambia o cume das montanhas, fazendo-me delirar de contentamento. Lançou-se de novo para a cama deixando-se dominar desta vez pelo meu físico. Acorrentei-me a ele e avancei em frente como um cavalo movendo-se veloz e agilmente por entre prados selvagens. Ele vociferava palavras que me elevavam a consciência, deixando-me num estado fora de orbita. Então endireitei as pernas e comecei a saltar como uma medalha de ouro no trampolim. Pulei mais e mais, tentando alcançar as estrelas no céu enquanto ele se agarrava aos lençóis da cama com as forças que lhe restavam. 
   Os espasmos apoderavam-se de mim. Não suportava mais. Desci à terra, aterrei e deixei escorrer o líquido que restava. Ele levantou o tronco sem romper a nossa ligação e assentou os lábios junto aos meus. Senti os nervos que lhe percorriam a pele quando nos abraçamos mutuamente. De rompante, expeliu a actividade que aguardava ansiosa dentro dele e sorriu silenciosamente. Caímos derrotados da batalha que acontecera e estendemo-nos no colchão macio. Encostei a minha cabeça ao seu peito e deixei-me embalar pela sua mão que me amansava e acariciava os longos cabelos negros. A respiração ofegante deu lugar a uma harmoniosa melodia que me fez adormecer nos seus braços.
   Sonhei com o paraíso a seu lado… 

   Senti uma pequena picada de luz que me irritou as pálpebras. Abri os olhos um pouco desnorteada e contemplei um ser perfeitamente constituído com uma par de asas longas e esbranquiçadas que lhe desabrochavam da pele. Quem era aquela criatura angelical - ainda estaria a sonhar? … Belisquei-me e senti a dor que se exprimiu num pequeno rugido, a criatura revirou-se na minha direcção e reparei então, nas lágrimas que lhe caiam do rosto impecavelmente esculpido, como duas quedas de água atormentadas. Senti a tensão conquistar terreno. Ele tinha a cara perfeita e apetecível dele, vestia as jeans que lhe havia oferecido no natal passado, que lhe faziam sobressair o luxurioso rabo, e quando suspirou um “desculpa”, reparei na voz que se enquadrava no seu timbre. As lágrimas geladas desceram-me pelo rosto que observava turvamente o semblante transformado – era ele.
   Senti a aragem que corria lá fora, quando abriu as portas de madeira e vidro que davam entrada para a varanda do quarto. Reviveu e memorizou cada momento, cada parte do quarto parando nos meus olhos. Encarei os deles – já não via o azul profundo. Avistava apenas a escuridão que lhe encobria a alma. Desviou a cara numa despedida condenada e proferiu um adeus sentido que lhe pesava a aura. Correu na direcção da varanda e atirou-se livremente ao vento como um pássaro que esteve preso em cativeiro. A aflição conquistou-me. Assustada corri feroz para a varanda e murmurei o seu nome – Noah. Avistei o anjo flutuando de asas estendidas em direcção ao sol. Gritei o seu nome. Gritei até me doer a voz e apenas restar alguns sussurros na minha garganta dorida.
   Deixei-me cair estarrecida nos azulejos bege do chão da varanda. A minha figura formou uma posição de defesa - estava enrolada como um feto no útero de uma mãe, protegido. Não sabia o que havia acabado de acontecer, a vida perdera a sua lógica. Afinal quem era aquele homem com quem convivi durante tanto tempo. A minha mente foi perseguida por mil e uma questões sobre tudo o que se passara à minha volta nas últimas temporadas. A neve voltou a cair depois da sua debandada. Caia e entranhava-se no meu corpo. O branco contrastava com o negro do meu cabelo, com o corpo despido no relento da cidade.
   As horas foram passando, o dia avançava. Fechei-me num mundo imaginário criado pelo meu pensamento. Visualizei o seu sorriso que brilhava como uma gruta cheia de diamantes, lembrei-me do seu sotaque, do seu amável toque, da noite que havíamos passado juntos… O barulho de um carro que passou na rua fez-me acordar da ilusão que criara. Olhei uma última vez a paisagem vazia e morta. Tinha chegado o limite das lágrimas e o corpo não aguentava expelir mais um fluido. Decidi voltar para dentro para desfalecer isolada na cama.
   Entrei e fechei as portas com o suspiro que me restava. Aproximava-me da cama quando avistei uma carta com o nome Aqua cravado, e encostada a ela, uma rosa encarnada com um laço de cetim da mesma cor. Era o meu nome, o nome pelo qual ele me tratava. Aproximei-me aterrorizada – o que estaria ali escrito naquele pedaço de nada. Acomodei-me na cama com uma almofada e comecei por ler:

“Era meia-noite e não sabia o que dizer, por onde começar. Permanecias deitada saboreando o momento que gastaras comigo. Como poderia dizer-te que iria partir sem retorno? Não consegui estragar o momento de satisfação que partilhamos. Queria que soubesses como é difícil estar com alguém, quando sabemos que temos de nos despedir amarguradamente um dia. Nunca te quis magoar, contudo habituei-me à tua presença, já não sabia o que era não te ter por perto. Não sabia como era viver sem contemplar a tua forma engraçada vagueando pela casa em cuecas, apenas com a minha camisa preta que te cobria a totalidade do corpo. Eras como um milagre que me enchia o coração de contentamento.
   Eu era um anjo caído lançado na terra para viver eternamente como um humano. Mas estar contigo matava-me a cada instante. Gostava de poder ter escolha, mas como um ser eterno não aguentaria ver a tua destruição. Não suportaria ver o teu corpo enfraquecer a cada dia e eu ali igual com o passar do tempo, ocupando a tua juventude, a tua existência. Mesmo assim, não me consigo perdoar por ter de te deixar. Quebrei a confiança que tinhas em mim quando te expulsei sem um único aviso prévio. Entrei num jogo e lancei os dados, mas as cartas não estavam a meu favor, saberia que perderia tudo um dia. Sabia que o que sentimento que me encobria o cerne estava amaldiçoado e não havia maneira de quebrar a imprecação cometida.
   Quis afastar-me antes. Tencionei fugir quando o nosso envolvimento se tornou numa relação além do aprazimento. Onde algo que me transcendia, e que não sabia explicar, me aprisionava a ti. Quis sentir o sentimento dos homens e deixei-me envolver e absorver pela sua demência. Provei o prazer e caí nos pecados da carne que me levaram à loucura. Deixei-me enfeitiçar pela tua fragilidade. Pela tua mortalidade, pelo teu aspecto sensual exuberante e o ar exótico do teu rosto. Senti o que os outros anjos acusavam nos actos dos homens. A paixão, o desejo, a necessidade de ter alguém ao nosso lado para a podermos cuidar e amar.
   Quero que apagues da memória os momentos que felizes, passamos juntos. Desejo que queimes os corpos terrestres que te façam recordar a minha imagem, para que não sofras e prossigas com o teu destino. Sei que não era comigo que ele se enredava. Sofro com as feridas que me queimam o corpo por não te ter ao meu lado, mas sofreria mais se assistisse ao teu desaparecimento um dia. Sentirei a tua falta que me esgotara dolorosamente a alma com cada passar do tempo. Era o mais correcto a fazer. Estou desiludido por te ter iludido com um começo de uma história que rompi insensatamente. Sei que te causei dor e que nem tudo sarará mas espero que me perdoes um dia. Do teu eterno prisioneiro, Noah.”
   As lágrimas mancharam a tinta da caneta no papel, onde as palavras descritas desapareceram com o passar violento do rio. Estendi-me na cama que agora sentia falta da sua presença, tentando encontrar sentido para tudo o que se passara. Ele infiltrou-se por entre as defesas e obstáculos que havia construído sem cair ou tropeçar. A mim, faltava-me a coragem para saltar de um precipício para o outro e recomeçar de novo. Podia escorregar e não conseguir voltar. Ou podia voltar a ficar magoada, marcada com arranhões e hematomas que nem a água pura e cristalina cicatrizaria. Restava-me reconstruir as barreiras que com facilidade desmoronaram.
   Levantei-me e andei desnorteada pela casa. Desci as escadas, mas não sabia o que fazer dentro daquele gigante vazio. Cada divisão lembrava-me a sua face. O seu cheiro ainda permanece no ar humedecido pela lareira da sala. Olho as fotografias dos dois, firmemente pousadas numa estante de madeira pintada, e questiono-me estupidamente porque me deixou, mas não encontro solução possível. Não me apercebi que se afastava a cada dia. Não descobri o que me transmitia na noite fogosamente passada - era a despedida. Foi o último momento onde os nossos corpos se entrelaçaram e se defrontaram juntos. E agora como seria dali para a frente. Não queria recordar aquela noite como o momento em que a minha vida desabou e virou do avesso.
   Estava à beira do suicídio. Com cada isolado passo dado, enterrava-me mais na solidão em que me encontrava. Não via a luz brilhante. Não encontrava saída do buraco obscuro, por onde pudesse respirar e libertar o sufoco que me atormentava a alma. Não estava zangada, apenas confusa com o que se havia passado. Não sabia o que restaria de mim depois da sua partida. Contudo tomou o que achou por certo e não o condeno por isso, apenas penso que me devia a possibilidade de ter escolhido. 
   Outrora houve uma luz que me incendiava o dia, que se entranhava em todas as partes do organismo. No final com o seu desamparo, só me restou a triste solidão e o sofrimento.

Ilusões Passadas...


   A tela permanece vazia, tinha depositado todo o meu amor em ti, entreguei-te tudo o que tinha, mas não foi o suficiente, aquilo que tinha para dar não te bastava.
   Quando me olhaste pela primeira vez, cores começaram a preencher aquele pedaço branco, os anjos sorriram para nós, para mim. Tudo à minha volta girava, vivia num sonho que afinal não era o nosso, era apenas meu. E então tudo acabou. Os sonhos bons não duram para sempre, muitos tornam-se num pesadelo, em memórias de um passado que nos percorre a vida, é assim que terminam na maioria, assim terminou o nosso.
    Permaneço aqui sozinho, por minha conta mais uma vez…  Os anjos choram agora que é de noite, acho que sempre choraram, não queria ver o que na realidade se passava à minha frente, estava preso a um romance que nunca teria resultado. Por mais que tentasse tu não eras minha, nunca o serias.
   Pergunto-me onde estive, quem sou, mas não obtenho respostas, não existiam, era tudo ilusão. Tentei alcançar-te, mostrar-te quem sou. Eras uma miragem, não estava destinado a encontrar-te. Tentei de tudo, quebrei todas as regras por ti e afastaste-te. Deixei-te ir quando havia tanto para dizer, mas nada mudaria o que aconteceu, foste uma chance que tentei agarrar que não quis preencher o meu vazio. Deveria ter partido quando ainda havia tempo, quando sabia que não resultaria… em vez disso exprimia que tudo ficaria bem, não te queria perder.
   Culpando esta mentira, continuo no chão depois da tua retirada, queria tanto voltar atrás. Tento sobreviver com a tua ausência, mas não consigo. Não me sais da cabeça, já não sei porque nos despedimos, ficávamos tão bem juntos, éramos felizes, pensava que era feliz. Porquê, porque não resultamos? Porque tinha tudo de acabar?
  Estou louco, louco e preso no tempo em que estavas comigo. Tu seguiste em frente, deixaste-me e deixei que isso acontecesse, sem te impedir… não conseguia, não podia. Tento respirar com calma e lembro-me do teu sorriso, não durmo de noite, estou num ritmo acelerado sem ti ao meu lado. Não queria chorar, já nem sei mais porque choro, nada mais faz sentido.
   Sonho atrás de sonho contigo a meu lado, grito e acordo, não estavas lá, não estavas em lugar nenhum – precisava de ti de te ver. Porque não me sais da cabeça? Paraste o meu mundo e não consegui reagir ao teres-me abandonado. Sinto a dor, tento ser forte, o meu sentimento era forte.
   É tarde, doem-me os olhos e as lágrimas secaram, mas o corpo ainda estremece. Não quero viver isto outra vez, acho que sobrevirei. Tenho de seguir em frente, escolher outro caminho. Agora sei que nunca havia significado para ti, o que eras para mim. O pincel que pegaste caiu no chão e partiu-se, as tintas secaram, não restava nada para acabar a minha tela.
   Há momentos na vida em que temos de fazer escolhas, tentar aproveitar cada momento acertadamente. Vejo que fiz as erradas quando te coloquei na minha vida. Tentei criar algo, onde não existia nada. Imaginei uma história que não era nossa. Magoei-me quando apenas procurava ser feliz.  

Túmulo Negro...


   Em tempos houve uma criança feliz, mas a amargura de anos passados transformou-a lentamente num túmulo negro de desalento. Os pilares que a fortemente suportavam e mantinham hirta nos desafios e discórdias de um presente envelhecido, foram-se derrubando com o tempo e a fortaleza então destruindo. O poder que nela fluía e dela se libertava levantou forças, erguendo pedras e rochas ao longo de eras glaciares e épocas soalheiras. Assim remendaram-se as barreiras, apenas cessando o suor que se verteu no corpo, libertando um fio escuro de angústia incrustada.
   As estações de claridade e rubor, de sombra e negrume foram-se passando, mas a harmonia nunca foi recomposta. Roubaram-lhe de novo valores que em tempos de ingenuidade não compreendia. Agora, atormentam-lhe o inconsciente nas noites dormidas entre lençóis de esperança e a estabilidade e resistência das vigas de madeira. Arrancaram-lhe monstruosamente a inocência. Levaram fugazmente cada pedaço que dela restava, deixando-a desprotegida.
   No seu quarto, sozinha, ela silenciosamente suprime os impulsos de raiva pelo que a vida sem misericórdia e piedade lhe tirou. Sem ninguém para ver o tormento e aflição, explode no interior da caixa de vedações brancas por pintar, a que antes chamara de quarto - e agora seu único refúgio. No seu abrigo, ela melancolicamente alivia o aglomerado de dias vividos em desespero num mundo negro e cruel, num mundo de gente maldosa. Lá, liberta-se contra o destruidor de histórias de encantar que nem tempo para uma simples gata borralheira lhe fora oferecido.
   Sem saber porquê retiraram-lhe os sonhos e as esperanças, retiraram-lhe a luz e a bonança, o que mais lhe levarão? Quanto mais terão de lhe roubar para que algo de bom, algum contentamento se entranhe na vida empalidecida pelo tempo? Onde está o equilíbrio entre o preto e o branco, a morte e a vida, o amor e o ódio, o Yin e o Yang?
   Porquê acreditar no destino, ou confiar nele, se tudo de repente pode acabar com um olhar embaciado por lágrimas vertidas nas vestes dum futuro roubado.
   As investidas do inimigo deixaram-lhe marcas no físico adormecido. O inconsciente mostra os sinais das trevas que rapidamente lhe alcançaram a luz e a tornaram cega para com ela mesma. No céu já não restam estrelas brilhantes para lhe iluminar as noites passadas ao relento de pesadelos, deixaram-na descorada nas sombras.    

Instável Ao Luar - Metamorfoses de Um Selvagem

   Não consigo combater o luar, tento resistir-te mas o selvagem apodera-se vorazmente de mim a cada instante… faminto, ele invadiu o teu corpo ferozmente, devorou cada pedaço de ti sem controlo, não consegui pará-lo. Ele queria-te e tu não o rejeitaste, nem ofereceste a mínima resistência. Deixaste-te tornar numa presa indefesa nas mãos daquele instável estranho, caíste nos seus braços, naquelas garras que cobiçavam a tua pele… apoderou-se do teu corpo. 
   O sangue fervilhava em todos os seus músculos quando invadiu esmagadoramente o teu físico delicado. Entrou dentro de ti destruidoramente e sem piedade da tua fragilidade… tu deste-lhe o que ele queria, moveste-te como ele impacientemente ansiava. A violência com que te desfrutava fez-te querer mais. Sonhavas com aquilo noite após noite e agora o animal encontrou-te e tornou-se real, dominava-te e tu obedecias como um ser indefeso à espera das suas ordens.
   O que o seu ego pedia tu davas a dobrar com prazer e ele delirava com a obsessão que percorria a sua cabeça - a imagem do teu corpo quente e húmido que ele rasgava, que tomava como seu. Satisfazias todos os seus pedidos ordinários e sexualmente corporais … gemias deliradamente enquanto te possuía, gritavas eroticamente pedindo mais e mais do que tinha para dar.
   O monstro saciava a sua sede enquanto os suores se fundiam e transbordavam satisfação. Arqueavas as pernas quando se lançava contra ti, agarrando os teus seios, mordiscando deliberadamente cada curva da tua carne ardente que evocava o seu toque. O êxtase apoderava-se do seu corpo enquanto te pegava forçadamente pelas coxas e erguia-te no seu colo.
   Enraizaste as pernas na sua cintura sentido cada pedaço musculado do seu corpo. Ele empurrou-te vezes sem conta contra o sexo endurecido. Com sofrimento cravavas-lhe as unhas nas costas e arrancavas dolorosamente os seus cabelos… enquanto o fazias, gozavas de prazer o que o fez deplorar de contentamento. O fim aproximava-se, largaste o seu couro e brandamente derramaste a última onda de orgasmo que fluía no teu corpo, deitado sobre ti, o selvagem gotejou os últimos fragmentos da sua loucura.

Ângelo Carvalho
20.05.10

Ela e Tu – Quimera: Encruzilhadas do Destino



   Já não sei o que dizer, não sei o que fazer. Como poderia escolher entre duas feras que não querem ser caçadas, presas em cativeiro. Senti o perigo que se aproximava ansiosamente, a cada instante que passava, continuava a crescer e não lhe soubera dar um mísero nome. Não lhe queria dar nada que pudesse ter continuidade, que durasse mais que um dia. Já chegara o tempo que perdera com ela, não me queria perder contigo.
   O mistério permanecia no teu olhar quando me beijaste ferreamente, um beijo forte, duro e quente. As veias do meu corpo sobreaqueceram tempestuosamente, o meu corpo emanava calor como já não brotava há muito tempo. Causaste a diferença quando me tocaste, libertaste o animal selvagem em mim. No refúgio onde te escondias, encontrei-te e emotivamente agarrei-te, depois não te quis largar.
   A chuva caia, a tempestade de lágrimas que criaste impedia a minha passagem, será que consigo passar através da chuva? Continuo a cair, o vento empurra-me forçadamente contra o chão. Não vejo a luz, não encontro saída no teu labirinto… não me deste o mapa. Fecho os olhos e perco-me nas memórias do teu físico, do teu cheiro doce, a tua voz suave. Sigo os sinais e encontro-te.
   Numa tempestade de emoções cais no chão, espalhas-te em peças. Colecciono cada pedaço teu, é extremamente difícil encontrar alguém como tu, é como ser atingido por um relâmpago - quais são as hipóteses? Não sei, contudo olho a imagem distorcida e o meu espírito gosta do seu aspecto, tem medo, tens receio mas quer estar contigo. 
   As noites passavam em branco antes, não conseguia dormir devido a ela. Agora sonho diariamente contigo. Perdi uma parte de mim quando ela partiu, encontrei outra contigo. Quis insensatamente que ela voltasse, pensei que tinha reencarnado em ti. Olhava-te e via-a a ela, os seus olhos, o seu corpo, o mistério que a rondava. Agora vejo-te a ti, és tudo o que não esperava e que um dia me colocou em emboscada. Fazes parte de uma história inacabada que nem sequer teve direito a um infeliz começo. Serás um novo inicio?
Ângelo Carvalho 05.10

Ela e Tu – Quimera: Perturbações do Passado



   Tantas noites passaram, esperei tanto tempo para te tocar, sentir os teus lábios, a tua pele quente acostada à minha, percorrer cada curva estupendamente bem talhada do teu corpo, explorar cada marca, cada sinal do teu rosto… o tiquetaque do relógio avançava a cada dia e eu sem respostas, esperava nas sombras, sozinho.
   A noite escondia cada sensação, cada vestígio de desalento que passava pelo meu corpo. Perdurava sem notícias tuas. O telefone não tocava, a porta não batia, a escuridão passava lentamente e escondia-me nela… atormentado com a tua demora, esperava não acabar só. Nunca me importei até te ter conhecido, o silêncio percorria o meu dia, a falta de corporação fazia parte de mim, mas agora a tua ausência devorava-me até aos ossos.
   Tudo o que queria era passar um simples minuto contigo, precisava de ti naquela noite nebulosa. Carenciava a tua presença mais do que nunca, o pânico apoderava-se do meu corpo num extremo frio. Tinha medo que te fosses embora, que não voltasses para me reconfortar com os teus braços calorosos, e tu meramente não voltaste.
   Ias fugindo de mim a cada instante, e na penumbra do anoitecer fiquei sem saber a razão porque te afastaste. Pronunciei algo que não me incumbia ser dito? Agi desacertadamente, dei um movimento em falso, um passo precipitado? Não tu unicamente não me desejavas e tu eras tudo o que sabia, tudo o que ambicionava.
   A minha pele ardente chamava pelo teu corpo desvairadamente, pelo teu toque. Queria-te, desejava-te violentamente… pensei que me desejavas. Queria limpar-me de ti, mas preso naquele lugar, o terror que voltava encontra-me e envolve-me fortemente, sufoco sem auxílio. Apenas o som do chuveiro corrente escondia as mágoas, levava-as para longe por momentos, onde eu não as encontrasse.
   Nunca prometes-te um final feliz, mas também não verbalizaste que me farias chorar um dia. Estou amarguradamente cansado por te ter esperado. A dor é forte, as palavras já não curam, o tempo não sarará as lágrimas que derramei, as feridas não estacarão. Algures no tempo eu amei-te com todas as forças que tinha e tu, nesciamente não me quiseste, trataste-me como um objecto qualquer e jogaste-me no lixo.
   A demente obsessão acabou. Condena-me por te ter desvairadamente amado, não me condenes por ter tentado, não me imaginava noutro lugar a não ser ao teu lado. Sei que não passava de um simples grão de areia esquecido no teu universo como tantos outros, mas ainda vives dentro de mim, desejava esquecer-te mas agora quimericamente vejo-te nela.
Ângelo Carvalho 05.10